Associação Médica do ES lidera campanha para desestimular o uso dos aparelhos chamados popularmente de vape
(Matéria publicada no Caderno de Saúde de A Tribuna em 24/04/23)
À primeira vista, ele parece inofensivo. Tem cheiro bom e pode ter o sabor que o usuário quiser, mas o cigarro eletrônico, ou vape, como os jovens costumam chamar, é tão nocivo à saúde ou mais do que os cigarros convencionais. No Brasil, a comercialização, importação e propaganda dos vapes é proibida desde 2009, mas mesmo assim o uso desses dispositivos ficou popular principalmente no período da pandemia de Covid-19. A Associação Médica do Espírito Santo (AMES), em conjunto à Sociedade de Pneumologia do Espírito Santo (SPES), está encabeçando uma campanha educacional para alertar sobre os perigos do cigarro eletrônico e desestimular seu uso.
Uma pesquisa do Instituto Nacional do Câncer (Inca), publicada em julho de 2021, analisou a prevalência dos cigarros eletrônicos em 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Os dados mostraram que cerca de 80% das pessoas que consumiram os vapes tinham entre 18 e 34 anos. Em um panorama global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 70% dos usuários têm entre 15 e 24 anos.
Por oferecerem sabores e aromas variados, formatos diferentes e cores chamativas, criou-se a ilusão entre os fumantes de que os dispositivos eletrônicos seriam menos agressivos à saúde ou então fossem uma alternativa para aqueles que buscavam largar o cigarro. Porém, de acordo com a pneumologista e presidente da Sociedade de Pneumologia do ES, Dra. Maria Cristina Paiva, o vape tem mais de 2 mil substâncias diferentes.
“Entre elas, podemos destacar o benzeno, formaldeído, glicerina, nitrosaminas (que são compostos químicos cancerígenos), metais diversos. Além disso, como não há regulamentação sobre esses produtos no Brasil, por serem proibidos, não há como ter certeza qual a composição completa”, frisou Maria Cristina.
E engana-se quem acredita que somente o pulmão é afetado pelo cigarro eletrônico. O câncer de pulmão, pneumonias bacterianas e insuficiência respiratória, apesar de serem as principais ameaças, não são as únicas. Um estudo, publicado em abril de 2022 na revista científica “eLife”, mostrou que cérebro, coração e até o cólon podem ser afetados pelo uso desses dispositivos.
“O risco de AVC (acidente vascular cerebral) pode aumentar, porque o cigarro gera uma inflamação neurológica. Há também indicações de que o tecido do coração fique mais sujeito às infecções e ao infarto. No cólon, pode causar risco de doença gastrointestinal. Além disso, há outras complicações, como a adição, uma vez que esses dispositivos têm nicotina, aumento de quadros de ansiedade, depressão, transtornos de humor e síndrome do pânico”, alertou o o Dr. Leonardo Lessa.
EVALI – A doença causada pelo vape
Além dos males causados pelo cigarro eletrônico, como câncer de pulmão, risco aumentado de AVC e infartos, há uma doença especificamente causada pelo uso desses dispositivos. Descrita pela primeira vez nos Estados Unidos em 2019, a EVALI (e-cigarette and vaping associated lung injury) ou lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou produto vaping, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), causa dores no peito, taquicardia, falta de ar, tosse constante, náuseas, vômitos, problemas abdominais e perda de peso.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o tratamento consiste na suspensão do uso dos cigarros eletrônicos e medidas como oxigenação e ventilação, podendo ou não ser invasiva.
Ainda não existem dados precisos sobre os impactos da EVALI no mundo, uma vez que muitos casos podem ser subnotificados. Porém, em 2020, o CDC reportou mais de 2.800 internações pela doença e 68 mortes.
“Os vapes se tornaram populares nos últimos anos e muitos estudos ainda se limitam a modelos antigos dos dispositivos. Infelizmente não temos estatísticas, mas a EVALI é uma doença real e, como vimos no relatório do CDC americano, pode sim levar à morte. É necessário conscientizar a população, principalmente os jovens, que são os alvos nessa modinha, para os riscos”, alertou o Dr. Leonardo Lessa.
O que diz a legislação
Mesmo com todos os alertas feitos por médicos, há ainda aqueles que acreditam que o cigarro eletrônico e os demais dispositivos para o fumo não fazem tão mal à saúde. A maioria nem sabe que a legislação brasileira proíbe a venda desses produtos no país. E a resolução que regulamenta já tem quase 15 anos.
De acordo com o artigo 1º da Resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa):
Art. 1º Fica proibida a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigaretes, e-ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo.
Em 2022, a Anvisa aprovou Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), durante a 10ª Reunião Extraordinária Pública. O documento manteve a proibição de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para o fumo e a adoção de medidas para coibir o comércio irregular desses produtos.
Fonte: Ministério da Saúde.
Polêmica na Inglaterra
O governo britânico anunciou, na última terça-feira (11), um pacote de medidas para auxiliar os ingleses a pararem de fumar. Porém, neste pacote, há um item inusitado: um milhão de fumantes vão receber um kit gratuito de cigarro eletrônico. De acordo com as autoridades britânicas, o objeto pode servir como estímulo para o abandono do cigarro convencional.
O ministro da saúde britânico Neil O’Brien, disse em discurso que a política de distribuição gratuita do kit de cigarro eletrônico — apelidada de “swap to stop” (“trocar para parar”, em tradução livre) — é a primeira desse tipo no mundo. A iniciativa vai custar 45 milhões de libras para o cofre público inglês, o que representa cerca de R$ 287 milhões.
“Os médicos do mundo inteiro sabem dos malefícios dos cigarros, sejam eles convencionais ou eletrônicos. Os vapes podem ter menor teor de nicotina, mas ainda contêm substâncias cancerígenas e perigosa. Essa troca não é inteligente, é como trocar seis por meia dúzia. Não funciona”, alertou a médica Maria Cristina Paiva.